João Luís Almeida
Machado
Editor do Portal Planeta Educação; Doutorando pela PUC-SP no programa Educação:Currículo; Mestre em Educação, Arte e História da
Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie(SP); Professor universitário e Pesquisador.
Estamos tão imbuídos em nosso
trabalho que na maior parte do tempo nem ao menos nos preocupamos em pensar e
repensar o nosso ramo de atuação. Isso acontece em todas as áreas de atuação da
humanidade, não apenas na educação. O que surpreende em relação à educação é
que, a princípio, ela deveria estimular, promover e trabalhar a todo o momento
o exercício da reflexão, da análise e do pensamento. Inclusive quanto a sua
própria existência, funcionamento, ferramentas e estrutura operacional. Como
bem sabemos, consumidos pelas tarefas do cotidiano, a tendência é que achemos
desnecessários pensar sobre “o que é a educação”. Nesse sentido o texto “Sobre
o óbvio”, do saudoso Darcy Ribeiro, intelectual de grandes contribuições para a
cultura brasileira, destaca a dificuldade que temos de nos prostrar de olhos
bem abertos diante da realidade mais imediata que nos acomoda...
Por isso mesmo abro esse
editorial trazendo a tona essa premente reflexão... Afinal de contas, o que é
educação? Para muitas pessoas a palavra educação refere-se ao trabalho que se
desenvolve no contexto das unidades educacionais que conhecemos mais
popularmente como escolas. Desenvolve-se de forma organizada, em ambientes
herméticos, que pouco ou nada se modificaram ao longo dos tempos. Utiliza uma
dinâmica simplificada a partir de alguns elementos principais, a saber: aula
expositiva, quadro negro (ou lousa), giz, livros didáticos, cadernos, lápis,
borracha, canetas, réguas,...
Ainda nos conformes mais básicos
e rudimentares percebidos pela maioria esmagadora da população brasileira (e
provavelmente mundial também), o objetivo da educação pode ser sintetizado na
capacitação de crianças e jovens em conhecimentos fundamentais para a sua
sobrevivência e inserção nos contextos em que vivem, como a aprendizagem dos
cálculos matemáticos, da linguagem dominante no país (escrita, leitura e fala)
e, eventualmente, de alguns outros “conteúdos”, não tão essenciais, mas que
podem fazer pequenas diferenças para os estudantes que melhor se apropriarem
dos mesmos, como as ciências naturais, a história, a geografia ou as línguas
estrangeiras.
A escola tradicional reproduz
modelos, não estimula a participação dos estudantes e da comunidade, define o
professor como o centro das atividades e propostas, firma previamente os
conteúdos a serem ensinados e despreza o conhecimento de mundo dos educandos.
A aprendizagem de conteúdos
suplementares como a filosofia, as artes ou mesmo a educação física são
considerados luxos ou supérfluos. Itens que se não são desnecessários, pouco ou
nada acrescentam as chances e possibilidades dos educandos em sua inserção na
sociedade e no mercado... Sintetizando, as pessoas imaginam a educação de forma
restrita, imaginando-a como o processo ensino-aprendizagem em sua roupagem mais
clássica e tradicional, mais convencional e arcaica... Será que educação se
restringe apenas a isso? E os professores e educadores concordam com essa
compreensão simplista de seu universo de atuação? Ou pensam a educação de outra
forma, mais complexa, provocante e transformadora? Paulo Freire, o educador
mais conceituado e respeitado de nosso país dizia que a escola deveria ensinar
os alunos a “ler o mundo”. Imaginava que para isso seria necessário respeitar o
contexto cultural e familiar dos estudantes, dando a eles a oportunidade de
participar do processo de ensino-aprendizagem, tendo voz ativa e vislumbrando
realidades de ensino nos conteúdos trabalhados que tivessem relação direta com
o mundo em que estavam inseridos. Suas afirmações, traduzidas de forma
simplificada no parágrafo anterior (são muito mais ricas, complexas e valiosas
– merecem a atenção e o empenho de estudiosos do Brasil e de vários países,
como Michael Apple, dos Estados Unidos – e deveriam ser leitura obrigatória nos
cursos de graduação das licenciaturas), têm como propósito demonstrar que a
escola tem uma responsabilidade muito maior do que aquela que se imagina...
Escola que não educa para a
reflexão, a análise, a crítica e a capacidade de participação ativa no contexto
social não cumpre o que dela se espera. Nesse sentido é de fundamental
importância o apoio das artes, das ciências, da cultura e da filosofia.
Ao propor a “leitura do mundo”,
por exemplo, Freire está nos instando a compreender não apenas as letras e os
números quanto aos significados mais óbvios e objetivos que esses signos
encerram... O que o educador pernambucano queria era nos levar a perceber além
dessa simbologia, buscando compreender politicamente o mundo em que vivemos e,
mais do que isso, atuar nos contextos em que estamos vivendo... Deixaríamos
dessa forma de ser apenas espectadores e nos tornaríamos protagonistas da
história de nossas vidas e de nosso país... Seria apenas um sonho? Em suas
afirmações o notório educador, como também foi ressaltado anteriormente, também
destacou a premência do respeito quanto as bases e origens culturais, sociais e
familiares dos educandos. Não estava fazendo afirmações vãs, sem sentido e
objetividade. As escolas e a educação, num sentido mais amplo, dentro de suas
prerrogativas e estruturas funcionais tradicionais praticamente desprezam os
conhecimentos e saberes provenientes dos estudantes, condenando-os a participar
de forma passiva, como meros receptáculos de informações previamente
selecionadas (Por quem? Para quê?)... Depois ficamos a nos questionar os
motivos que levam os estudantes a perder a paciência nas salas de aula e a
demonstrar isso com atos de indisciplina... Se a educação não respeita e
valoriza os estudantes, dando a eles o papel de protagonistas (juntamente com
os educadores) no processo de construção de seu próprio conhecimento, rumo a
uma sonhada e necessária autonomia que lhes permita atuar de forma consciente e
transformadora nas realidades em que vivem, como eles poderiam simplesmente se
conformar e continuar ali sentados, pasmos, a observar as peripécias e malabarismos
de seus mestres?
A escola que é manipulada pela
sociedade e por suas diretrizes ideológicas dominantes e manipuladora dos
movimentos dos educandos a partir dos saberes nela reproduzidos que se baseiam
nas orientações do modo de produção vigente já era assim preconizada e entendida
por Paulo Freire.
E que mestres são esses que se
conformam com o trabalho repetitivo e maçante que os condena a anualmente
reproduzir conteúdos, idéias, propostas e realizações que não foram nem ao
menos pensadas por eles e adequadas ao contexto em que vivem? É ainda possível
desprezar o fato de que a realidade do Acre não é a mesma do Rio de Janeiro?
Que o que acontece em São Paulo pode ter pouca ou nenhuma significância para
quem vive em uma tribo indígena do interior de Tocantins ou do Pará? Educação é
vocábulo de ampla repercussão e que não pode ser entendido a partir de uma
definição simplificada. A busca pelo “Santo Graal” contido numa explicação
única que pudesse clarear a compreensão geral do fenômeno educacional inclusive
contraria a própria dinâmica científica e filosófica que há tanto tempo discute
o tema. Há diferentes concepções de educação. Elas estão sendo discutidas aqui
e em diferentes países a partir de estudos profundos realizados por educadores,
sociólogos, historiadores, economistas e tantos outros interessados. O que se
sabe, de antemão, é que a educação de alto nível pode representar progresso,
melhor qualidade de vida, estabilidade social, enriquecimento de uma nação e
que a ausência ou desqualificação da mesma leva, por outro lado, ao pior dos
mundos, onde a miséria prolifera juntamente com as doenças, a estagnação
econômica, os preconceitos, a corrupção,...
Se pudesse reduzir essa reflexão
a algumas poucas palavras em que apresentasse minha concepção de educação diria
que o mundo só pode pensar em ser mais justo, digno, fraterno e próspero se
todos os países se empenharem em tornar a educação um real, efetivo e
verdadeiro instrumento de emancipação individual, onde todos realmente aprendam
a ler o mundo, se posicionar, participar de forma ativa, sem preconceitos, com
inclusão e, acima de tudo, com ética e dignidade. Educação no mundo em que
vivemos, pensada de forma concreta, tem que usar os mecanismos e ferramentas
provenientes da ciência e do progresso humano; deve ser reflexiva, analítica e
pensar o mundo e seus próprios processos com o apoio da filosofia e da
história; tem que se assumir como instituição politizada, atuante e engajada e
abandonar a falsa neutralidade que acomoda fraquezas e submissão; e, para
complementar, deve aliar-se (nunca de forma incondicional, ou seja, tendo
sempre o necessário espaço para compreender, criticar e sugerir mudanças em
seus pares) as artes, as mídias e a cultura em geral para mostrar-se mais
atualizada, preparada e fortalecida diante dos dilemas que se colocam no mundo
em que vivemos...